Machado de Assis e Os estatutos para os frequentadores dos Bondes......

Machado de Assis é sempre atual e atemporal. Esse "Como comportar-se no bonde" poderia ser aplicado a qualquer meio de transporte coletivo existente. Certas pessoas não tem a noção de espaço público que é o ônibus, o metrô, o avião...fazem desses ambientes uma extensão de suas vidas privadas. Portanto, a alguns parece natural e aceitável comportar-se dentro do veículo como se estivessem em casa.
Poderíamos adotar estas regras básicas, nos dias de hoje......


Como comportar-se no bonde

Art. I - Dos encatarroados
Os encatarroados podem entrar nos bonds com a condição de não tossirem mais de três vezes dentro de uma hora, e no caso de pigarro, quatro.
Quando a tosse for tão teimosa, que não permita esta limitação, os encatarroados têm dois alvitres: -ou irem a pé, que é bom exercício, ou meterem-se na cama. Também podem ir tossir para o diabo que os carregue.
Os encatarroados que estiverem nas extremidades dos bancos, devem escarrar para o lado da rua, em vez de o fazerem no próprio bond, salvo caso de aposta, preceito religioso ou maçônico, vocação, etc., etc.

Art. II - Da posição das pernas
As pernas devem trazer-se.de modo que não constranjam os passageiros do mesmo banco. Não se proíbem formalmente as pernas abertas, mas com a condição de pagar os outros lugares, e fazê-los ocupar por meninas pobres ou viúvas desvalidas, mediante uma pequena gratificação.

Art. III - Da leitura dos jornais
Cada vez que um passageiro abrir a folha que estiver lendo, terá o cuidado de não roçar as ventas dos vizinhos, nem levar-lhes os chapéus. Também não é bonito encostá-los no passageiro da frente.

Art. IV - Dos quebra-queixos
É permitido o uso dos quebra-queixos em duas circunstâncias: a primeira quando não for ninguém no bond, e a segunda ao descer.

Art. V - Dos amoladores
Toda a pessoa que sentir necessidade de contar os seus negócios íntimos, sem interesse para ninguém, deve primeiro indagar do passageiro escolhido para uma tal confidência, se ele é assaz cristão e resignado. No caso afirmativo, perguntar-se-lhe-á se prefere a narração ou uma descarga de pontapés. Sendo provável que ele prefira os pontapés, a pessoa deve imediatamente pespegá-los. No caso, aliás extraordinário e quase absurdo, de que o passageiro prefira a narração, o proponente deve fazê-lo minuciosamente, carregando muito nas circunstâncias mais triviais, repelindo os ditos, .pisando e repisando as coisas, de modo que o paciente jure aos seus deuses não cair em outra.

Art. VI - Dos perdigotos
Reserva-se o banco da frente para a emissão dos perdigotos, salvo nas ocasiões em que a chuva obriga a mudar a posição do banco. Também podem emitir-se na plataforma de trás, indo o passageiro ao pé do condutor, e a cara para a rua.

Art. VII - Das conversas
Quando duas pessoas, sentadas a distância; quiserem dizer alguma coisa em voz alta, terão cuidado de não gastar mais de quinze ou vinte palavras, e, em todo caso, sem alusões maliciosas, principalmente se houver senhoras.

Art. VIII - Das pessoas com morrinha
As pessoas com morrinha podem participar do bonds indiretamente: ficando na calçada, e vendo-os passar de um lado para outro. Será melhor que morem em rua por onde eles passem, porque então podem vê-lo mesmo da janela

Art. IX - Da passagem às senhoras
Quando alguma senhora entrar o passageiro da ponta deve levantar-se e dar passagem, não só porque é incômodo para ele ficar sentado, apertando as pernas como porque é uma grande má-criação.



*por Machado de Assis, em 4 de julho de 1883